O artigo 230 do Código Nacional de Trânsito, que proíbe transporte de passageiros em compartimento de carga, gera prejuízo econômico social e religioso. A manifestação popular – Canindé e Juazeiro são exemplos disso – é a mais autêntica expressão da cultura e patrimônio imaterial do povo cearense, que remonta à sua formação social e histórica.
Questionamos qual direito está sendo observado, praticado, efetivado ou negado? A observância às normas de trânsito por um lado não representaria a negação de um direito maior, a livre manifestação religiosa, cultural? A devoção ao santo remonta à segunda metade do século XVIII, quando ainda era uma pequena capela construída por iniciativa de Francisco Xavier de Medeiros, e advinha das primeiras missões franciscanas naquelas plagas em idos de 1758. As romarias tiveram início entre os anos de 1775 e 1776, durante a construção do templo. Elas romperam os limites geográficos de Canindé e do Ceará. Esse legado não pode ser desconsiderado em nome apenas do Código de Trânsito.
É um atentado contra ao que recomenda a Unesco, elemento essencial à união entre os povos. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura, e outras artes.
Não há racionalidade científica ou jurídica capaz de compreender os gestos da tradição principalmente a fé popular. Cumpramos o Código de Trânsito, mas tenhamos sensibilidade, para perceber o que emana da realidade, para que juntos encontremos uma solução mediada pelo bom senso.
Fonte: João Rameres Régis, professor da UECE. Diário do Nordeste, 31 de outubro, pág. 2.